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Editorial

 

Rômulo Ferreira da Silva* 

 

Antes de iniciarmos nossas jornadas ainda temos tempo para mais um Boletim. Maria Bernadette Pitteri preparou com esmero esse último número para nos prender a atenção na tela até o momento de passarmos ao encontro dos corpos.

 

Plenárias com temas interessantíssimos, testemunho dos AE da Escola Una e uma sequência de mesas simultâneas que refletem o trabalho da comunidade de analistas que participam ativamente da EBP-SP.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A vida só é possível/ reinventada.

Anda o sol pelas campinas/ e passeia a mão dourada/ pelas águas, pelas folhas... / Ah! tudo bolhas/ que vem de fundas piscinas/ de ilusionismo... — mais nada.

Mas a vida, a vida, a vida, /a vida só é possível /  reinventada.

Vem a lua, vem, retira/ as algemas dos meus braços./ Projeto-me por espaços/

cheios da tua Figura.

Não é pouca coisa que vocês encontrarão neste número. Começamos com uma entrevista realizada por Cynthia Freitas com Moara Passoni, diretora do filme “Um vidro sob minha pele”. Ela fala da experiência da anorexia vivida dos 12 aos 18 anos. “O que me interessava era chegar ao osso que de alguma forma é a estrutura mais definida de um corpo... Perguntava-me como é que as ideias se produziam nos corpos.”

 

Na experiência de “puro êxtase” Moara trata da sexualidade e dos efeitos que teve o encontro com uma analista. Enquanto todos queriam fazer com que ela percebesse que precisava comer,  “essa psicanalista foi por um caminho nada óbvio”.

 

Milena Crastelo aborda a performance da artista Deborah de Robertis “O Espelho da Origem”, realizada no museu D’Orsay a partir da obra de Coubert “A origem do mundo”. Milena pergunta se a artista estaria tentando dar conta do mistério que é o corpo de mulher, buscando uma representação da imagem do corpo e de seu gozo. A performance da artista, como diz Milena, “nos convoca a olhar, olhar o cru do sexo, sem véu, e dá pistas a partir de sua invenção O espelho da origem, do seu fazer com seu corpo de mulher!”.

 

Mônica Bueno de Camargo, a partir de uma conferência de Éric Laurent, “ Semblantes e sinthomas”,  diz que “O circuito pulsional, passando por uma série de significantes, faz com que exista para cada um uma construção para encontrar seu gozo... O objeto a é uma experiência na qual o sujeito está no lugar de ninguém. Ou em todos os lugares, como no sonho”. E continua: “O gozo que fala é o do falo. As mulheres se calam.” Finaliza seu texto com a questão se a “articulação do feminino com o que não se fala, mas que está escrito, é um ponto que permite abordar a constituição de um corpo de mulher”.

 

Josiane Bocchi apresenta um texto com várias considerações sobre a conferência de Paola Salinas , “Construir um Corpo”, realizada na USP de Bauru. Conclui com uma pergunta: “A representação de um corpo, como no artefato do caleidoscópio, diz respeito a um corpo vivo, carne e imagem, cujas representações, sob certas circunstâncias, também se desconstroem. Assim, quais figuras do si mesmo se destacam do vidro diante do personagem?”.

 

Em outra  atividade preparatória à Jornada da EBP-SP - Corpo de Mulher, em Ribeirão Preto, Cristiana Gallo, apresenta um produto do trabalho de Cartel: “Inconsciente e corpo falante”, na qual buscou transmitir a clínica do falasser em termos da atualidade de como o analista se orienta hoje. “Os textos permitiram um início de percurso do corpo falante ao corpo de mulher, naquilo que toca o não todo, o vazio – vazio de sentido e referido ao gozo sem a medida fálica.”

 

Com o tema “Carne e corpo - corpo de mãe, corpo de filha, corpo de mulher”, Paola Salina questiona o que podemos dizer da clínica do parlêtre e sua articulação ao real. Desenvolvendo o mistério da união da fala com o corpo, coloca que não podemos falar dessa experiência de corpo se não tocarmos o gozo. Utiliza o testemunho de Silvia Salman, AE da Escola Una (EOL) para abordar o trajeto “de corpo de mãe, traço de gozo, corpo de filha, corpo histérico, para então, corpo de mulher".

 

A partir de casos em que o falasser modifica sua posição sexual num momento tardio da vida, Maria Célia Kato desenvolve a questão sobre a “relação que este estabelece com o corpo anterior ao imaginário, articulando a esse ponto a constituição da posição sexual”. Maria Célia nos deixa em espera para o que deve apresentar até os próximos eventos da EBP/AMP: “o que ainda está para ser articulado é em que tempo se dá a sexuação: no tempo do inconsciente estruturado como linguagem ou no tempo do inconsciente da lalíngua e que articulação é possível estabelecer com a identificação sexual”.

 

Sobre as ressonâncias no real a partir do som no corpo, Eduardo Benedicto pergunta sobre os efeitos de gozo, “da satisfação que o som provoca, que faz ressoar o corpo do ser falante e produz efeitos de sentido, de metáfora, de nomeação e de sinthoma”. A partir de três filmes exibidos na atividade “Cinecult” e de fragmentos de dois passes, Eduardo avança em suas questões colocadas.

 

Aproveitem!

 

Aqueçam os motores e boas Jornadas a todos! 

 

Até já!

 

*EBP/AMP

UM VIDRO SOB MINHA PELE

Entrevista com Moara Passoni.

 

Cynthia Farias*

 

O filme “Um vidro sob minha pele”, idealizado e dirigido por Moara Passoni, nasce principalmente de seu encontro com a obra de Marguerite Duras cujas ressonâncias tocaram em uma experiência até então sem palavras: a anorexia vivida dos 12 aos 18 anos. A colaboração como pesquisadora para um documentário sobre a relação das adolescentes com seus corpos foi também disparadora do desejo de filmar sua experiência de anorexia. A anorexia abordada a partir das angústias da adolescência, trazendo um olhar voltado para a obsessão pelo corpo, pela cirurgia plástica, pela perfeição, não contemplava seu ponto de vista sobre a questão. No fim de uma manhã de domingo, conversamos durante um par de horas sobre o filme e sua experiência.

O nome

 

O nome “anorexia” dizia muito pouco para mim durante minha experiência de anorexia. Ela tinha muitas outras facetas e o não comer era apenas uma delas. Eu organizava meus dias em horas litúrgicas, horas precisas para fazer as coisas, rituais precisos. A minha obsessão não era ficar magra. Minha obsessão era o negativo. Ficar cada vez menor. O que me interessava era chegar ao osso que de alguma forma é a estrutura mais definida de um corpo. Uma de minhas obsessões era ir aos museus de anatomia. Perguntava-me como é que as ideias se produziam nos corpos. Como se produz vida nesse negócio que é tão misturado, tão caótico que para entendê-lo é preciso dissecá-lo, separá-lo? Na anorexia, a comida tem que ser separada, e o pavor da gordura é porque ela confunde, mistura. Chegar ao osso é chegar ao que há de mais “puro”, mais claro no corpo.

Passei a usar o nome “anorexia” depois que eu sai daquele estado, como uma forma de dizer para as pessoas o que eu havia vivido. Havia uma impossibilidade de comunicar o que eu sentia para os outros, como se não tivessem ouvidos capazes de ouvir o que eu havia vivido.

O belo

 

A anorexia tem a ver com o belo, com o que entendemos do belo. Mas é muito redutor dizer que alguém se torna anoréxica para ficar bela. De onde vem essa força para manter o controle da fome por anos? Eu acho muito arriscado reduzir a anorexia a uma busca por um padrão de beleza. LEIA MAIS...

CORPO DE MULHER: UMA INVENÇÃO POSSÍVEL?

 

Milena Crastelo*

 

A artista luxemburguesa Deborah de Robertis expõe o seu sexo diante do quadro "L'Origine du Monde", no Museu D'Orsay em Paris. Essa foi a chamada do dia 03 de junho de 2014 de um site de noticias**.

A artista caminha de forma elegante ao som de "Ave Maria" de Schubert interpretada por Maria Callas, até a frente da obra de Courbet "A origem do mundo", senta-se de costas para ao quadro onde inicia sua performance intitulada “O espelho da origem”. Durante a performance, um misto de aplausos do público e olhares fuzilantes dos guardas do museu juntamente com a tentativa de inibi-la.

Sentada, compondo o quadro, se põe a mostrar seu sexo, o cru do sexo, e repete incansáveis palavras:

Je suis à l'origine./ Je suis toutes les femmes./ Vous ne me voyez pas./ Je veux que vous me reconnaissez./ "Vierge comme le créateur de l'eau de sperme"

(Eu sou a origem./ Sou todas as mulheres./ Tu não me viste./ Quero que me reconheças./ 

"virgem como a água criadora do esperma")

O que se pode recolher desta performance de Deborah de Robertis? Estaria a artista tentando dar conta deste mistério que é o corpo de mulher? Buscando uma representação da imagem do corpo e de seu gozo?

Laurent vai dizer que Courbet em seu quadro A origem do mundo busca encontrar uma forma para o invisível do gozo feminino. E é a este quadro que a artista se junta e se mistura para encenar sua performance. LEIA MAIS...

SEMBLANTES E SINTHOMA*

 

Mônica Bueno de Camargo**

 

Laurent inicia seu percurso nessa conferência a partir da filosofia da representação, citando Lacan no Seminário 11, que se apoia no livro de Merleau-Ponty Le visible et l’invisible. Merleau-Ponty interroga o que da experiência escapa à regulação da forma, passando pelo que se prendia à pregnância da imagem do corpo. No seminário 11 Lacan afirma que, quanto ao relacionamento sexual, nada é regulado pela imagem do corpo. Embora a experiência da forma possa fascinar, este poder do visível indica exatamente “aquilo que, do invisível, não pode chegar ao visível”.

 

A definição de fetiche feita por Freud “esclarece o que no visível vem marcar o lugar do objeto invisível que sempre o será”.

Em seguida, Laurent traz a questão da esquize do olho e do olhar: “para ver, é preciso ser visto”, ou seja, para ter um corpo é necessário que “a própria criança seja vista pela instância ideal, parental, que a sustenta”.

O termo semblante vem resolver o impasse da filosofia da representação, nomeando “a forma possível do gozo”, uma “passagem do invisível ao que é o enforma”. O circuito pulsional, passando por uma série de significantes, faz com que exista para cada um uma construção para encontrar seu gozo. O enforma é o objeto a, Objeto a que é também semblante de gozo, “um misto imaginário simbólico articulado ao gozo que se produz”.LEIA MAIS...

AUTO IMAGEM E UM RETORNO ÀS FIGURAS DO SI MESMO

 

Josiane Bocchi*

 

“No fim de oito dias, deu-me na veneta olhar para o espelho com o fim justamente de achar-me dois. Olhei e recuei. O próprio vidro parecia conjurado com o resto do universo; não me estampou a figura nítida e inteira, mas vaga, esfumada, difusa, sombra de sombra. A realidade das leis físicas não permite negar que o espelho reproduziu-me textualmente, com os mesmos contornos e feições; assim devia ter sido. Mas tal não foi a minha sensação” (Machado de Assis, 1882/1993, p. 123).

Na quarta-feira, 21 de outubro, o público unespiano de Bauru, afeito às discussões psicanalíticas, assistiu à bela conferência da psicanalista Paola Salinas, “Construir um Corpo”, título emblemático, em plena continuidade com as discussões preparatórias para as Jornadas da EBP-SP, Corpo de Mulher. Porém, intrigante, conciso demais, impreciso. Dias antes me vi tentada a indagar sua autora, do que abordaria tal conferência, afinal. LEIA MAIS...

Tudo mentira! Mentira/  da lua, na noite escura.

ATIVIDADE PREPARATÓRIA À JORNADA DA EBP-SP – CORPO DE MULHER

 

Cristiana Gallo* 

 

No dia 23.10.2015 a Diretoria de Intercâmbio e Cartéis realizou uma atividade preparatória à Jornada da EBP-SP, contando com o apoio do Centro Cultural Palace em Ribeirão Preto que abriu o seu auditório para a participação de um novo público.

Aproximadamente 80 pessoas acompanharam três apresentações, produtos do cartel “Inconsciente e corpo falante”, composto por Cristiana Gallo, Eduardo Benedicto, Emmanuel Mello, Fabíola Ramon, Maria Célia Reinaldo Kato, Paola Salinas (Mais-um) e Sílvia Sato. 

Na sequência das apresentações de Eduardo, Maria Célia e Paola que visaram uma articulação da questão particular de cada um neste cartel com a temática da Jornada, seguiu-se um tempo de comentários de Fabíola, Cristiana e Sílvia, abrindo-se para um tempo de conversa com o público presente. LEIA MAIS...

Não te encontro, não te alcanço... / Só — no tempo equilibrada,/ desprendo-me do balanço 

CARNE E CORPO*

CORPO DE MÃE, CORPO DE FILHA, CORPO DE MULHER

 

Paola Salinas** 

 

Este texto segue a elaboração de um anterior: “Há alguma relação possível entre o em si e a carne?”, publicado em Um por um (1). A pergunta que orientou estes escritos foi: o que podemos dizer da clínica do parlêtre e sua articulação ao real? E ainda, como pensar nessa clínica o corpo de mulher?

O real, na dimensão que nos interessa, está atrelado ao que chamamos de corpo falante.

 

A noção de corpo falante guarda alguma relação com a ideia de carne?

É Edmund Husserl, nos diz Miller (2), que introduz a diferenciação entre os corpos físicos e o meu corpo. É para essa expressão singular do meu corpo, que o termo carne surge. 

Ele diz: “penso minha carne com uma caracterização singular, meinen Liebe, a saber, o que, sozinho, não é um simples corpo, mas sim uma carne, o único objeto no interior de minha camada abstrata da experiência ao qual atribuo um campo de sensação à altura da experiência” (3). O significante carne, pontua Miller, é precioso, e digo, preciso, pois demarca aquilo que se distingue dos corpos físicos ao mesmo tempo que pode nomear a união do corpo e da alma descrita por Descartes. Referir-se à carne é dizer de uma experiência frente ao corpo físico próprio; este termo, então, pelo menos em Husserl, engendra algo do singular da experiência de se ter um corpo, que implica uma conexão entre o corpo e a língua. LEIA MAIS...

que além do tempo me leva./ Só — na treva,/ fico: recebida e dada.

A RELAÇÃO DO FALASSER COM O CORPO PARA ALÉM DAS IMAGENS

 

Maria Célia Reinaldo Kato* 

 

A partir de casos em que o falasser modifica sua posição sexual num momento tardio da vida, apresentou-se a questão sobre qual a relação que este estabelece com o corpo anterior ao imaginário, articulando a esse ponto a constituição da posição sexual.

Encontrei no texto de Patricio Alvarez (1) um ponto que auxilia nesta questão. Ele cita Miller: “o gozo opaco do sinthoma surge da marca escavada pela fala quando ela toma a aparência do dizer e faz acontecimento de corpo”. Explica que isto se encontra no Seminário 21 onde Lacan diz “não toda palavra é um dizer (...) Um dizer é da ordem do acontecimento”. A partir disso, Miller destaca que “a fala que marca é aquela que adquire a aparência do dizer e produz acontecimento de corpo”. “Mas é um dizer opaco, que não faz cadeia: o dizer da lalingua”. 

Neste mesmo texto, Patricio Alvarez coloca que Miller propõe que o corpo falante está em um tempo lógico anterior ao corpo especular, apresentando um gozo no corpo falante anterior ao significante. Isto nos remeteria ao tempo do inconsciente da lalíngua onde há incidência de gozo, porém anterior ao significante, anterior ao inconsciente estruturado como uma linguagem. 

A partir disto, podemos pensar que a relação do falasser com o corpo para além das imagens estaria no tempo lógico do corpo falante que diz do encontro da lalíngua com o corpo do falasser produzindo acontecimento de corpo, a partir de uma fala que marca esse corpo.

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Porque a vida, a vida, a vida, / a vida só é possível / reinventada. 

SOM NO CORPO: RESSONÂNCIAS NO REAL?

 

Eduardo Benedicto* 

 

Com esta questão inicialmente esboçada, pergunto-me acerca do efeito do som no corpo, do gozo, da satisfação que o som provoca, que faz ressoar o corpo do ser falante e produz efeitos de sentido, de metáfora, de nomeação e de sinthoma.

Acompanhamos a mudança no estatuto do inconsciente para Lacan: do estádio do espelho, da imagem do outro constituindo o eu - moi, para o inconsciente metáfora, que induz um efeito de sentido pela substituição significante, tendo o eu - Je como efeito, até chegarmos a formulação do inconsciente real: “Quando o esp de um laps – ou seja, visto que só escrevo em francês, o espaço de um lapso já não tem nenhum impacto de sentido (ou interpretação), só então temos certeza de estar no inconsciente” (1).

Neste espaço de um lapso, vazio que se chega ao depurarmos os efeitos de sentido da articulação significante, poderíamos articulá-lo ao som e seus efeitos no corpo falante? 

Lacan parte de Saussure para construir a noção do inconsciente estruturado como uma linguagem, servindo-se da noção de significante como imagem acústica. Miller em seu texto “Biologia Lacaniana e Acontecimentos de Corpo”(2) estabelece a relação entre o corpo e o significante em diferentes momentos do ensino de Lacan, e coloca o acento, à partir de sua última formulação, sobre o significante enquanto materialidade, e diz que esta materialidade é tomada do som e do corpo. LEIA MAIS...

Cecília Meireles, Reinvenção

 Calidoscópio #18

Boletim das Jornadas da EBP-SP
 
Corpo de Mulher
 
 6 e 7 de Novembro    Convidada: Marie-Hélène Brousse                                                                            (AME da ECF)

Boletim Calidoscópio #18 está no ar!!!          

CALIDOSCÓPIO - BOLETIM DAS JORNADAS DA EBP-SP

"CORPO DE MULHER"

 

Direção de Redação - Bernadette Pitteri

Revisão Crítica - Daniela Affonso

Edição e Montagem- Maria Marta Rodrigues Ferreira

Colaboração - Cristiana Gallo

Coordenação das Jornadas - Paola Salinas

 

DIRETORIA DA EBP-SP

Diretor Geral - Rômulo Ferreira da Silva

Diretora Secretária - Alessandra Pecego

Diretora de Biblioteca - Teresinha N. M. do Prado

Diretora de Cartéis - Valéria Ferranti

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