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CORPO DE MULHER: UMA INVENÇÃO POSSÍVEL?

 

Milena Crastelo*

A artista luxemburguesa Deborah de Robertis expõe o seu sexo diante do quadro "L'Origine du Monde", no Museu D'Orsay em Paris. Essa foi a chamada do dia 03 de junho de 2014 de um site de noticias**.

A artista caminha de forma elegante ao som de "Ave Maria" de Schubert interpretada por Maria Callas, até a frente da obra de Courbet "A origem do mundo", senta-se de costas para ao quadro onde inicia sua performance intitulada “O espelho da origem”. Durante a performance, um misto de aplausos do público e olhares fuzilantes dos guardas do museu juntamente com a tentativa de inibi-la.

Sentada, compondo o quadro, se põe a mostrar seu sexo, o cru do sexo, e repete incansáveis palavras:

Je suis à l'origine./ Je suis toutes les femmes./ Vous ne me voyez pas./ Je veux que vous me reconnaissez./ "Vierge comme le créateur de l'eau de sperme"

(Eu sou a origem./ Sou todas as mulheres./ Tu não me viste./ Quero que me reconheças./ 

"virgem como a água criadora do esperma")

O que se pode recolher desta performance de Deborah de Robertis? Estaria a artista tentando dar conta deste mistério que é o corpo de mulher? Buscando uma representação da imagem do corpo e de seu gozo?

Laurent vai dizer que Courbet em seu quadro A origem do mundo busca encontrar uma forma para o invisível do gozo feminino. E é a este quadro que a artista se junta e se mistura para encenar sua performance.

“No que concerne à mulher, não se trata simplesmente de debater sobre o eu e sobre a sua imagem, mas de se defrontar com a impossibilidade da representação do sujeito, com a impossibilidade da representação do gozo para além do falo como tal, do gozo Outro. É o impossível da representação do S barrado, furo, elisão entre dois significantes e o indecifrável profundo, signo do gozo que não tem nome, embora seja, no entanto, inscrito no lugar do Outro que a diz-fama, que a diz mulher (dit-femme). Quando se trata de situar a posição feminina, a impossível representação do falasser, (...) está em primeiro plano.” (Laurent, A psicanálise e a escolha das mulheres).

Com Simone de Beauvoir sabemos que “ninguém nasce mulher: torna-se mulher”. E com Lacan que o tornar-se mulher é então uma escolha forçada de uma singularidade. Essa singularidade diz do modo pelo qual o gozo afeta o corpo feminino, sendo que para isso não há um órgão especifico que responda. Não há equivalência entre orgasmo

clitoridiano e gozo do pênis. Para a posição feminina não há representação standard ou localização típica de seu gozo, não há um modo de parada, como do lado masculino, com o pênis.

Heloisa Caldas em sua conferência Corpo de mulher, da imagem ao gozo diz como passar de um corpo imagem a um corpo de gozo. “Para uma mulher, que padece da falta de uma identificação simbólica, o corpo imagem é um recurso valioso. O corpo feminino é, sobretudo, um corpo para olhar e, como o da criança no estádio do espelho, parece que ela depende muito do olhar do Outro para o qual não se poupa em se fazer olhar. Freud apontava ao narcisismo das mulheres comparando-as aos gatos. Rainhas de si mesmas, desfilam no campo do olhar do Outro, para se fazerem amar. Podem ser olhadas como Gestalt.”

Deborah de Robertis nos convoca a olhar, olhar o cru do sexo, sem véu, e dá pistas a partir de sua invenção O espelho da origem, do seu fazer com seu corpo de mulher!

 

*Correspondente da EBP-SP, Associada do CLIN-a.

 

**https://www.youtube.com/watch?v=rti3TPOiFn8&oref=https%3A%2F%2Fwww.youtube.com%2Fwatch%3Fv%3Drti3TPOiFn8&has_verified=1

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