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SEMBLANTES E SINTHOMA*

 

Mônica Bueno de Camargo**

 

 

Laurent inicia seu percurso nessa conferência a partir da filosofia da representação, citando Lacan no Seminário 11, que se apoia no livro de Merleau-Ponty Le visible et l’invisible. Merleau-Ponty interroga o que da experiência escapa à regulação da forma, passando pelo que se prendia à pregnância da imagem do corpo. No seminário 11 Lacan afirma que, quanto ao relacionamento sexual, nada é regulado pela imagem do corpo. Embora a experiência da forma possa fascinar, este poder do visível indica exatamente “aquilo que, do invisível, não pode chegar ao visível”.

A definição de fetiche feita por Freud “esclarece o que no visível vem marcar o lugar do objeto invisível que sempre o será”.

Em seguida, Laurent traz a questão da esquize do olho e do olhar: “para ver, é preciso ser visto”, ou seja, para ter um corpo é necessário que “a própria criança seja vista pela instância ideal, parental, que a sustenta”.

O termo semblante vem resolver o impasse da filosofia da representação, nomeando “a forma possível do gozo”, uma “passagem do invisível ao que é o enforma”. O circuito pulsional, passando por uma série de significantes, faz com que exista para cada um uma construção para encontrar seu gozo. O enforma é o objeto a, Objeto a que é também semblante de gozo, “um misto imaginário simbólico articulado ao gozo que se produz”.

O objeto a é uma experiência na qual o sujeito está no lugar de ninguém. Ou em todos os lugares, como no sonho. 

O gozo que fala é o do falo. As mulheres se calam. “A ideia de Lacan é que elas se calam por serem a mancha no sistema de representação”. Estão situadas no ponto dessa

mancha, do que não pode ser representado, do que não pode ser dito. “A contribuição indireta consiste em acrescentar que o que não se diz sob a forma da fala, se escreve.” Algo que se escreve e não pode ser pronunciado. Há um ponto de silêncio na articulação entre fala e escrita. A mulher ocupa um lugar no sistema da fala que, em silêncio, será a garantia de dizer o que poderá ser dito. Ela é o ponto do “mais ninguém”.

Laurent cita Simone de Beauvoir, indicando que tinha como projeto dar a palavra às mulheres para que elas mesmas pudessem descrever a inexistência de sua posição. Para Lacan, esse ponto de silêncio está articulado a questões de estrutura e não a questões sociológicas.

Para finalizar, Laurent fala da contemporaneidade, das tentativas de paridade, das utopias de igualdade que dificultam situar as “dificuldades no labirinto próprio à articulação do gozo dos homens e das mulheres”.

Considera também as várias tentativas de sustentar um “para toda mulher”. E afirma que o sintoma é um operador da dissolução dos “para todos”. A tarefa da psicanálise é “conseguir ter uma incidência suficiente sobre o discurso da civilização que propicie um certo despertar em relação à dimensão da singularidade do sintoma.

Fica uma questão: a articulação do feminino com o que não se fala, mas que está escrito, é um ponto que permite abordar a constituição de um corpo de mulher?

 

*Conferência de Éric Laurent, realizada em Bruxelas, em 17 de outubro de 2009. Publicada em A psicanálise e a escolha das mulheres. Belo horizonte: Scriptum, 2012,p.193-209.

 

**EBP/AMP

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