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A RELAÇÃO DO FALASSER COM O CORPO PARA ALÉM DAS IMAGENS

 

Maria Célia Reinaldo Kato* 

A partir de casos em que o falasser modifica sua posição sexual num momento tardio da vida, apresentou-se a questão sobre qual a relação que este estabelece com o corpo anterior ao imaginário, articulando a esse ponto a constituição da posição sexual.

Encontrei no texto de Patricio Alvarez (1) um ponto que auxilia nesta questão. Ele cita Miller: “o gozo opaco do sinthoma surge da marca escavada pela fala quando ela toma a aparência do dizer e faz acontecimento de corpo”. Explica que isto se encontra no Seminário 21 onde Lacan diz “não toda palavra é um dizer (...) Um dizer é da ordem do acontecimento”. A partir disso, Miller destaca que “a fala que marca é aquela que adquire a aparência do dizer e produz acontecimento de corpo”. “Mas é um dizer opaco, que não faz cadeia: o dizer da lalingua”. 

Neste mesmo texto, Patricio Alvarez coloca que Miller propõe que o corpo falante está em um tempo lógico anterior ao corpo especular, apresentando um gozo no corpo falante anterior ao significante. Isto nos remeteria ao tempo do inconsciente da lalíngua onde há incidência de gozo, porém anterior ao significante, anterior ao inconsciente estruturado como uma linguagem. 

A partir disto, podemos pensar que a relação do falasser com o corpo para além das imagens estaria no tempo lógico do corpo falante que diz do encontro da lalíngua com o corpo do falasser produzindo acontecimento de corpo, a partir de uma fala que marca esse corpo.

Miller (2) coloca diz que o falasser está anterior ao sujeito da identificação, sendo este o tempo da linguagem. Cita que Lacan tomando como referência Freud pontua três modos de identificação: identificação ao pai, identificação histérica e identificação ao traço unário.

Porém, ele observa que no avesso de Lacan em que o Outro é destituído, não podemos mais falar de sujeito do significante, de sujeito da identificação, mas sim do falasser.

A partir da inexistência do Outro, há um princípio de identidade completamente diferente, de que Lacan fornece apenas “esboços fugidios”.

Miller acrescenta no lugar desse Outro que não existe o amor ao corpo próprio, tratando-se de Um-Corpo, enquanto pedaços de real, que Lacan vai nomear de ego. E quando se trata de Um-corpo não se pode mais falar de identificação, o que há é pertença, propriedade, em função de que neste momento não se trata do amor ao pai, mas do amor ao próprio corpo, não havendo identificação.

Até então, sempre pensamos a constituição sexual a partir da identificação às posições oriundas das fórmulas da sexuação – posição masculina e posição feminina. Porém, a partir do que Miller nos propõe estas posições estariam no tempo do corpo especular.

Miller cita que Lacan propõe que não se é um corpo, mas que se tem um corpo, assim o Um-corpo está mais para o lado do ter um corpo. Com isso, Lacan marca uma diferença entre o sujeito do significante e o ego.

Então, essa fala que marca e produz acontecimento de corpo, anterior ao estádio do espelho, anterior ao corpo especular, não poderia definir ou indicar a posição sexual, a partir do que Miller propõe que quando se trata de Um-corpo, do amor ao próprio corpo, não há identificação. A identificação está no tempo do corpo especular.

Portanto, o que ainda está para ser articulado é em que tempo se dá a sexuação: no tempo do inconsciente estruturado como linguagem ou no tempo do inconsciente da lalíngua e que articulação é possível estabelecer com a identificação sexual.

 

*EBP/AMP

 

NOTAS

(1) ALVAREZ, P. “Escabelo” in Papers nº 1 – Comitê de Ação – AMP 2014-2016.

(2) MILLER, J-A. “Perspectivas do Seminário 23 de Lacan. O Sinthoma”. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2009.

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