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PHOENIX

Rejane Tito*

Phoenix, do diretor Christian Petzold, filme forte e grave. Narra a história de Nelly, cantora judia que sobrevive a Auschwitz. Com a ajuda de Lene, sua amiga, viaja à Suíça para uma operação de reconstrução do rosto deformado. Em Berlim, reencontra seu marido, trabalhando na boate Phoenix, que não a reconhece, mas, percebendo semelhanças com sua mulher, propõe-lhe que se passe por Nelly, dada como morta, para receber a herança da família morta na guerra.

 

Assistimos a uma possível reconstituição subjetiva. A reconstrução do rosto destruído remete-nos ao corpo que não se é, mas que se tem, e a que ter um corpo é estar submetido à linguagem. No filme, acompanhamos a reconstituição deste corpo de linguagem. Recorro a Lacan, em “O Estádio do Espelho”, à função do eu para a psicanálise, ao ato de reconhecimento da própria imagem no espelho do Outro.

O desejo de reencontro com o marido parece significar um reencontro com significantes que possam recompor seu corpo: uma foto da atriz que admirava, sobretudo por seu cabelo e por sua maquiagem.

Um sapato de Paris. Um vestido vermelho. Sua letra numa lista de compras. Um banco na praça onde costumavam sentar após os passeios. A  operação  de  reconstituição  do  rosto  se estende à 

reconstituição de uma história própria, e de uma imagem corporal a partir do olhar e do reconhecimento do outro. Em algumas cenas, somos remetidos à “explosão da imagem global”, a que se refere M-H.Brousse, quanto ao rompimento da relação entre corpo fragmentado e imagem do corpo, rompimento de uma unidade ilusória de algo que não tem unidade.

Na cena final, Nelly canta jubilosamente “Speaklow”, acompanhada pelo marido ao piano. A inscrição (no corpo, na carne, na pele) do código a que foi reduzida nos campos de concentração, marca do gozo mortífero do Outro, divide espaço com a voz que canta, corpo que goza: “A beleza é a barreira que constrói a imagem do corpo para integrar, dar sentido, aos objetos a”, diz Brousse, uma marca, talvez, na experiência constitutiva de Nelly.

 

*Cartelizante EBP

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