HOMME/FEMME APRÉS LACAN*
Mônica Bueno de Camargo* *
A entrevista consiste em duas perguntas que resultam em um material rico de articulações, apontando para questões essenciais da contemporaneidade.
Clotilde Leguil cita diversos estudos e autores, inclusive de literatura, para traçar articulações sobre questões do contemporâneo: a “ditadura do mais de gozar”, a utopia própria de nossa época de se crer livre em relação ao sexual.
O que rege esses discursos de gênero é o direito à democracia sexual, direito ao gozo e de se definir a partir da própria sexualidade.
A autora traz a importância destes discursos na medida em que lutam contra a homofobia, já que a heterossexualidade não tem nada de natural; ser homem ou mulher e amar o mesmo sexo ou o oposto não se dá por um programa biológico.
Por outro lado, eles têm seus limites. Um deles é que, por considerarem ser homem ou mulher como uma construção social, não há lugar para a singularidade do sujeito.
Outro ponto é que acabam girando em torno das normas, como se boas normas assegurassem uma distância em relação ao mal-estar da civilização, que ficaria reduzido às injustiças.
A repetição da exigência de satisfação pulsional com sua articulação singular para cada sujeito e todos os seus desdobramentos, inclusive o de funcionar como obstáculo ao desejo, permanece ignorada. Esses discursos apresentam a questão de ser homem ou mulher relacionada a uma norma que tem um peso insuportável. A reivindicação é de auto-fundação longe da relação ao Outro. Mas a marca do Outro “que se deposita como um estigma no corpo, pelo fato de ser habitado pela linguagem” fica no silêncio. A via sexual aparece muda, puro gozo silencioso, sem palavras ou história.
Portanto, há nesses discursos uma foraclusão do inconsciente.
Clotilde Leguil ressalta que a psicanálise oferece uma via que permite fazer de ser homem ou de ser mulher uma aventura fora da norma, que só se pode dizer em primeira pessoa.
Nos discursos de gênero, fica de fora também a questão da interpretação do corpo feminino,“nada querem saber do feminino”, afirma ela. E esclarece: “A relação ao feminino é mais da ordem de uma assunção de ser a partir da falta que da ordem de um assujeitamento à norma”.
A questão de ser homem ou mulher não toca simplesmente a problemática da ordem do papel imposto pela civilização, mas sobretudo de um percurso traçado na contingência do desejo e do gozo.
* Resenha da entrevista com Clotilde Leguil a respeito de seu livro “L’être et le genre. Homme/femme aprés Lacan”, publicada em L’Hebdo-blog (http://www.hebdo-blog.fr/entretien-avec-clotilde-leguil-autour-de-letre-et-le-genre-hommefemme-apres-lacan/)
**EBP/AMP