top of page

RÔMULO: ENTRE CLÉRAMBAULT E LEMOINE

Rômulo Ferreira da Silva

 

Ao ser convidado para este evento, imediatamente fiz duas associações: Gaëtin Gatian de Clérambault e Genie Lemoine.

 

Clerambault foi um importante psiquiatra francês, considerado por Jacques Lacan seu único mestre em psiquiatria. Viveu de 1872 até 1934, quando se suicidou em frente ao espelho com um tiro na boca. Estava rodeado de manequins e seus modelos de drapeados.

 

Ele descreveu quadros psiquiátricos graves nos quais as mulheres apareciam com profundo apego aos tecidos, principalmente a seda. Tal apego as levava a cometer delitos ao tocar e roubar os tecidos.

 

Daí a se interessar pelos drapeados parece ter sido um passo rápido. Como médico psiquiátrico, participou da primeira grande guerra e, no Marrocos, iniciou sua pesquisa sobre a maneira que se constituía o drapeado nas várias regiões da África e ao longo da história. Deu aulas na Escola de Belas Artes e propunha uma classificação minuciosa dos drapeados, alegando ser esse conhecimento algo precioso para aqueles que se diziam pintores orientalistas. 

 

Clérambault é referência para duas síndromes que descreveu: a erotomania e o automatismo mental. O automatismo mental subverte a concepção clássica da psicose colocando como base para o desenvolvimento do delírio fenômenos de automatismo, tais como eco do pensamento, enunciação de situações vividas, intuição etc. Estes fenômenos são anideicos e sem conexão uns com os outros.

 

Portanto, o delírio não é a base da psicose. Ele se apoia em fenômenos de teor neutro, mas se configura de maneira temática. Podem ser de perseguição, de autorreferência, de filiação, de grandeza etc. A partir desta classificação podemos dizer alguma coisa de sua estrutura, os pontos de apoio. (1)

 

Poderia parecer que Clérambault tinha dois interesses na vida não articulados. Muito pelo contrário! “É essencialmente esse mesmo método que ele utiliza no estudo do drapeado. Em todos os casos em que trata de traçar o repertório de uma roupa drapeada, Clérambault coloca em evidência um 'esquema de construção', com um 'ponto de apoio principal', inicial, e um 'movimento gerador'. As características 'inicial' e 'gerador' determinam a classificação das roupas drapeadas. O postulado inicial da erotomania é um ponto de apoio gerador da síndrome. O fenômeno de automatismo apresenta também essa característica, inicial (e, como tal, anideico), e gerador do delírio, que o torna mais complexo, a ele se juntando.”(2)

 

Em conferência pronunciada em 5 de maio de 1928, “Classificação das roupas Drapeadas”, ele expõe seu método pelo qual procede a classificação dos drapeados: “Uma roupa drapeada deve ser definida pelo esquema de sua construção. Esse esquema é fornecido por três ordens de elementos: 1- o ponto de apoio principal; 2- a movimentação de tecido que tem início nesse ponto; 3 - os nomes das partes do corpo envolvidas, e a forma de seu ajuste.” (3)

 

Sobre Eugenie Lemoine apenas me recordei de uma passagem de seu livro “La robe”, no qual ela diz que a pele é enganosa e que nunca a somos, apenas a temos. Da mesma forma, nunca somos o que vestimos. Podemos ter o que vestimos.

 

Esta frase de Lemoine faz eco ao que apresentei sobre Clérambault e ao que Lacan dizia sobre o psicótico, que ele ama o seu delírio, ou seja, ele não é o delírio.

 

Poderíamos dizer que o drapeado equivale ao delírio.

 

Outra associação que fiz, mas não posso dar a referência por não tê-la fixado, é uma exposição sobre vestuário, que fui por acaso, em Paris, há alguns anos.

 

Havia uma pergunta sobre o motivo pelo qual encontramos mais frequentemente desenhadores de moda do sexo masculino. A explicação dada e referenciada na psicanálise, aproximava a paixão de alguns homens pela criação de vestimentas femininas ao fetiche. Ou seja, esses homens, pelo amor que nutrem pelo corpo de mulher, encarnado na mãe, buscam sempre inovar formas de recobri-lo, o corpo de mulher, tornando-o cada vez mais atraente, enigmático e sofisticado. Porém, inacessível.

 

Não creio que se trata propriamente de um fetiche, mas de recobrir para todos os seres submetidos à castração, o corpo que temos, mas não somos. Uma maneira criativa e encantadora de fazer do que temos, algo mais próximo do que que queremos ser. É assim que as mulheres se estreitam muito mais a essas criações. Elas experimentam com muito mais facilidade o fenômeno de não serem seus corpos, por isso, as peles que os envolvem são tão desejadas.

 

Poderíamos pensar algo parecido para as desenhadoras de moda?

 

O que pensam as mulheres sobre essa articulação?

 

NOTAS

(1) Arnoux, D. in O Grito da seda – Entre drapeados e costureirinhas: a história de um alienista muito louco. Tadeu, T (org.). Belo Horizonte. Autêntica Editora, 2012

(2) Idem – p.91

(3) Clérambault G. in O Grito da seda – Entre drapeados e costureirinhas: a história de um alienista muito louco. Tadeu, T (org.).Belo Horizonte. Autêntica Editora, 2012

e. Su um ótiBlanca Musachi

 

No dia 4 de julho de 2015, sábado, realizou-se a VI Feira EOL Urbana no Centro Cultural Borges, em Buenos Aires. O teatro, o designer de indumentária, as artes plásticas e a publicidade tiveram lugar junto à clássica Feira do livro da EOL. A EOL Urbana 2015 foi organizada por Irene Greiser, Paula Husni e Elsa Maluenda. Na oportunidade, Rômulo Ferreira da Silva fez uma original intervenção sobre os drapeados de Clerembault, cuja continuação reproduzimos. Trata-se de um artigo para refletir também sobre os vestidos e o corpo de mulher, no caminho das jornadas 2015 da EBP-SP.

bottom of page