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The Weeping Woman, 1937 by Pablo Picasso

Man Ray, Retrato de Dora Maar, 1936, fotografia. Coleção de Michael Mattis e Judith Hochberto mais sobre você.

Dora Maar: Ser a mulher chorando de Picasso ou o problema de não ter um corpo para adorar?
 

 No artigo El amor al Un-cuerpo1, Olga de Molina fazendo referência a Shiatzo, o grande pintor do século XVII, diz que o corpo do pintor está na pressão de sua mão em cada traço. O recurso da pintura em Dora Maar, amante e musa de Picasso, poderia se pensar tal como sugere a autora, como uma tentativa de restituição da consistência do corpo que caíra uma vez que perdera o olhar amante no deserto da devastação.

 

 Dora Maar foi o nome que se inventara a nascida Henriette Theodora Markovithc. Reconhecida fotógrafa na época dos surrealistas, formara parte dos círculos vanguardistas da Paris dos anos 1920 e 1930 e nesse meio conhecera Picasso com quem manteve uma longa relação de musa, modelo e amante. Ficou imortalizada nos mil rostos que o pintor desenhara dela. Podemos isolar num primeiro momento como sob o olhar fascinado dele retorna para ela uma imagem amável de si. Picasso representou Dora de muitas formas, as pinturas e desenhos a apresentam em constante transformação: “era qualquer coisa que quiseres, um cachorro, um rato, um pássaro, uma ideia, uma tempestade” segundo ele. Permaneceu no tornassol de todos os semblantes na espera que seu homem dissesse seu ser e viesse a cifrar seu gozo, pois é num dirigir-se a um Outro que espera que algo do gozo possa tomar corpo.

 

 Num segundo momento, no jogo dos olhares de Picasso e de Dora, o olhar do homem e da mulher se desencontram. Ao primeiro momento em que Dora era retratada como rosto terno e sereno lhe sucedem imagens de devastadoras distorções, na qual ela já não se reconhecia, até ficar plasmada como A mulher chorando, da qual Picasso realizou várias versões. Uma imagem de uma máscara de aflição e tristeza que lhe retorna agora do Outro se cristaliza numa identidade que tem a ver com a devastação: Ser a mulher chorando de Picasso.

 

 Na tentativa de restituir seu imaginário com os restos deformados de sua própria imagem Dora começou a pintar réplicas de A mulher chorando nas quais escrevia, rubricava seu nome próprio. A diferença dos artistas como Joyce, Duchamp e outros referidos por Laurent2 ao falar sobre o atravessamento do narcisismo, onde temos a ideia de si mais além da imagem, e que se fizeram um nome com o artificio de sua obra, Dora Maar não logra com o artificio da sua arte um resgate do naufrágio imaginário. Não consegue atravessar a identificação de ser A mulher chorando de Picasso. Do corpo fetichizado desde o olhar do Outro, lhe resta no final do amor, reflexos do corpo despedaçado sem mais partenaire que a solidão. Permaneceu em análise com Lacan por alguns anos, mas depois e até a morte se confinou a uma vida solitária e religiosa. “Depois de Picasso, Deus” dissera Dora Maar, em cujo nome ressoa o gozo de uma mulher que amou demais: Doraamar.

 

Blanca Musachi

 

 

1 http://www.nel-mexico.org/articulos/seccion/textosonline/subseccion/Cuerpo-y-goce/825/El-amor-al-Un-cuerpo

2 Laurent, Eric em El lugar y el lazo, Ed. Paidós, Buenos Aires, pág.70

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