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CORPO "FOTO-GRAFADO"

Patricia Badari*

Um clik e um sujeito pode ter o corpo fotografado. Mas, também em um clik, pode-se ter o corpo "foto-grafado". O que é um corpo? Seria a imagem ali capturada? Pode-se dizer que aquele é o corpo de uma determinada mulher, por exemplo? Ou, o que ali se foto-grafa?

Em 2011, a jovem Emma Holten recebe milhares de mensagens e e-mails com fotos suas.

“Uma foto: eu, nua, no quarto escuro do meu ex-namorado. Dezessete anos, um pouco esquisita, ligeiramente curvada para frente: uma tentativa inofensiva de parecer sexy.

Outra foto: dois anos mais tarde, no meu quarto em Uppsala, Suécia. Mais velha, um pouco mais confiante, mas não muito.Estava claro o que havia acontecido: as fotos agora estavam online.” (1)

Três anos mais tarde, “numa tentativa de tornar-se um sujeito sexual, ao invés de um objeto”; “numa tentativa de tornar-se confortável com o seu próprio corpo, novamente”, Emma posa nua para a fotógrafa Cecilie Bodker e publica na internet estas fotos, juntamente com o “Projeto Consentimento”, elaborado por ela e que visa “reumanizar seu próprio corpo nu e de outras pessoas”.

Deste fragmento retirado da imprensa online, poderíamos derivar uma série de questões. Mas, inicialmente, podemos dizer que de fato para um sujeito é sempre "esquisito" ter um corpo, em qualquer idade, tanto para homens quanto para mulheres. Sensações orgânicas, coisas imprevisíveis se passam no corpo; “acontecimentos imprevistos que deixam traços desnaturalizantes, disfuncionais para o corpo” (2). O acontecimento traumático desarranja, permanentemente, o corpo vivo e deixa seus efeitos de gozo.

Se a imagem corporal pode dar um caráter de unidade ao corpo fragmentado, pode-se, assim, ter uma forma bela ou não. Ainda cabe perguntarmos: o que se passa ou qual satisfação existe e persiste sob a experiência da imagem do corpo encontrada no espelho?

Quando, por exemplo, o gozo escópico que deveria estar subtraído, velado, dissimulado, escondido pela imagem emerge sob a forma de uma estranha contingência, sem o recobrimento do imaginário, sem véu, a angústia advém para o sujeito. “Isso me olha”! "Sou foto-grafado" (3).

Lacan diz que "a mulher encontra satisfação em se saber olhada, com a condição de que não se mostre isto a ela" (4). O que mostra “isso quando a olha”? Isso mostra, quando a olha, que ela está em seu perceptum – está no quadro, mas como uma mancha e não como uma bela forma! Isto é estranho e angustiante.

Se no campo especular o sujeito é simplesmente um sujeito da representação, no campo escópico não o é. No campo especular o olhar vem sustentar a identificação imaginária, desde o lugar do ideal de eu. Mas, no campo escópico, este olhar pode ser o olhar de um Outro habitado por um gozo radicalmente estranho o que pode produzir a fragmentação corporal.

Sabemos que para o falasser, cujo corpo é afetado pelo gozo, a imagem do corpo próprio, o corpo simbolizado, não bastam para que ele se identifique com seu corpo e “(...) é especialmente na histeria que a falta de identificação corporal é posta em evidência” (5).

E se um dos modos da histérica aceder à constituição do corpo é pela via da identificação ao falo, referida ao amor ao pai como armadura; se lhe é possível contar com o semblante fálico, “convém indagar se a mediação fálica drena tudo o que se manifesta de pulsional na mulher?” (6).

Podemos responder que não. Vemos que “por não realizar uma assunção de seu próprio corpo – a histérica permanece aberta à fragmentação funcional (...)” (7).

Quando se tem dezessete anos e se está iniciando a atividade sexual; quando não se sabe muito bem como parecer sexy ou se virar com a mascarada; quando se tem sua fotografia nua publicada sem o seu consentimento... Estas e outras tantas contingências da vida cotidiana trazem à cena os impasses da sexualidade, afetam o corpo e fazem cair as significantizações. O que fazer?

A unidade do corpo sempre será ilusória. Com ou sem consentimento, sempre será dissonante qualquer representação do corpo e o que possa vir designar um corpo como real. Sempre haverá para um sujeito uma opacidade sobre o que lhe é mais íntimo: seu modo de gozar.

Para o falasser não há como subtrair seu corpo do grande Outro, pois, o “Outro não existe, mas, no entanto, ele tem um corpo”. (8). Poder suportar ser “sintoma de um

outro corpo" (9), pode, para uma mulher, ser a possibilidade de ficar menos abandonada à fragmentação corporal e à pura ausência.

 

*EBP/AMP

 

NOTAS

 

(1) N.A.: Matéria publicada no site: http://www.buzzfeed.com/rossalynwarren/uma-vitima-do-pornu-de-vinganea-liberou-suas-propr#.xtLj3BGVG.

 

(2) MILLER J.-A. “Biologia lacaniana e acontecimento de corpo”. Opção Lacaniana. Revista Brasileira Internacional de Psicanálise, n. 41, dezembro de 2004, São Paulo, p. 50.

 

(3) LACAN J. "O que é um quadro" Seminário 11, Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Jorge Zahar, Rio de Janeiro, 1985, p. 104.

 

(4) LACAN J. "A esquize do olho e do olhar". ibid., p.76.

 

(5) MILLER J.-A. op. cit. p. 14.

 

(6) LACAN J.“Diretrizes para um congresso sobre a sexualidade feminina". Escritos. Jorge Zahar, Rio de Janeiro, 1998, p. 739.

 

(7) LACAN J. “Intervenção sobre a transferência". op.cit., p. 220.

 

(8) MILLER J.-A. op. cit. p. 66.

 

(9) LACAN J. “Joyce, o Sintoma”. Outros Escritos, Jorge Zahar, Rio de Janeiro, 2003. p. 565.

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