é que algumas histéricas estão, na atualidade, prescindindo deles, para saber, em ato, o que é que a baiana tem.

 

Para uma futura reflexão de quais outras homossexualidades femininas se tratam, quando já não se fala de histeria, pretendo recortar com mais precisão os dados do caso clínico da jovem homossexual que Freud nos apresenta, mas que prefere não analisar.

 

A jovem com tendências homossexuais tinha um pai bastante sério e um pouco afastado dos seus filhos, resguardado em sua conduta fria e rígida. Freud considera que ele era um homem profundamente influenciado por sua esposa, a mãe da jovem, a qual chamava muito a atenção por ser uma mulher bastante bonita e atraente.

 

Quando o pai soube das tendências homossexuais da filha, enfureceu-se profundamente e passou a ameaçá-la, considerando-a mentalmente perturbada. A mãe, curiosamente, manteve-se na posição de sua confidente, ainda que condenasse a reputação que a filha pudesse vir a desenvolver. De fato, a mãe sempre fora muito áspera com Sidonie, ao passo que, com seus filhos homens, era só zelo, sempre se desmanchando em cuidados.

 

Freud concluiu, de suas entrevistas com a jovem, que em suas afeições pela dama demi-mondaine, nem sequer se concretizou uma relação sexual mais plena. Tudo se resumia a beijos e carícias, que traziam para Sidonie grande satisfação.

 

Freud postulou que a jovem passou pelos avatares normais no Édipo. E que teria sido com seu irmão mais velho que se deu conta da diferença sexual anatômica, em torno dos cinco anos de idade. Esta passagem lhe deixou uma marca indelével, que ela carregou vida afora.

 

Até sua pré-puberdade foi uma garota que guardava, em relação ao sexo, uma posição de aversão. Freud ressalta que, aos treze anos, ela se afeiçoou muito por um garotinho de três anos de idade, que passou a visitar amiúde. Ele considera que ela tenha sido atravessada ali por um forte desejo de ser mãe e uma revivescência edípica crucial. Era seu modo, de certa forma, de neutralizar a posição fálica que ela reconhecia entre sua mãe e o irmão mais velho. E relançar o pedido de um filho ao seu rigoroso pai.

 

Ocorre que, depois de um tempo, ela perdeu totalmente o interesse no menino. E isso justamente coincide com uma nova gravidez da mãe, a partir do que ela passa a se interessar por mulheres. É como se essas mulheres fossem substitutas de sua mãe, considerará Freud.

 

Freud ponderou que a mãe sempre colocou a filha no lugar de rival iminente. Enquanto ela favoreceu sempre os filhos varões com mimos e atenções redobradas, ela a manteve, tanto quanto foi possível, afastada do contato com o pai. Quando a jovem estava passando por um momento importante de sua reelaboração edípica, no qual o seu desejo de ser mãe se recontextualizava em um novo pedido lançado ao pai, ela vê a sua demanda frustrada da pior forma.

 

Com Lacan, aprendemos a importância do modus operandi do pai em relação à filha mulher, e Miller o sublinha muito bem. Refiro-me à delicadeza com que um pai possa dizer à filha que não será possível dar-lhe um filho. O não neste caso ressoou da pior forma, de modo que o que se produz na jovem são amargura e ressentimento dirigidos ao pai, que marcarão sua posição futura diante dos homens.

 

Com essa atitude, talvez ela supusesse ser possível recuperar o amor materno, uma vez que ela deixa o pai, bem como todos os homens do mundo, aos desfrutes da mãe. Se a questão da mãe fosse ver a filha como competidora, tudo estaria resolvido. Ela cede, portanto, aos caprichos da mãe. Ela não engravida, ao passo que sua rival inconsciente está grávida. Sua mãe está em paz, e ela resolve seu Édipo de modo invertido.

 

Por outro lado, ela se identifica ao modo de amar de seu pai, passando a amar mulheres, e repetindo o modo como ele as amava. Talvez a questão da perversão, neste caso, além do acting out suicidário, deva ser localizada, como Lacan bem o aponta, do lado de um saber que se explicita. A jovem demonstra, para quem queira ver, nos momentos em passeia com sua dama, de braços dados, nos grandes boulevards de Viena, que ela detém um saber sobre o feminino.

 

Lacan diz que se trata de uma mostração, de um fazer-se ser vista, principalmente aos olhos do pai. Algo de pulsional e de gozante. Em seu rancor, em sua amargura, ela lhe acusa de não ter sabido como se deve tratar uma mulher. Ele não soube olhá-la. Ele não soube lhe dizer não, não soube o modo de dizer não a uma dama. Agora ela faz questão de que ele a veja. Que se enfureça, se lhe aprouver. E que ele veja como ela adquiriu um saber que ele não tem: um saber de como é que se deve tratar uma dama. Um saber-fazer-aí com o feminino.

 

Será que Sidonie Csillag sustentaria que, detentora deste saber, e sendo uma mulher, ela estaria em melhores condições do que um homem para amar uma mulher e fazê-la gozar?

 

Com a passagem dos anos, e com o acesso aos dados biográficos de Sidonie (RIEDER, INES & VOIGT, DIANA. Desejos Secretos. A história de Sidonie C, a paciente homossexual de Freud. São Paulo: Companhia das Letras Editora, 2008.), verificamos quão importante era para ela ser única e absoluta na vida de Leonie, sua dama. E de que forma ela recusava o gozo sexual. Uma posição de verdadeiro assujeitamento ao registro do Imaginário e ao falo, como aquilo que vela a falta materna. Um savoir-y-faire fixo que ela parece crer que detém, e que talvez seja mesmo o caso de chamar perversão.

 

*Membro da EBP/AMP, médico psiquiatra, Mestre em Psiquiatria - USP cskaf@uol.com.br