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Resenha: Laurent, D. “A origem do mundo e seus semblantes”.

(In: Papers 6 - Boletim Eletrônico do Comitê de Ação da Escola-Una - 2009-2010)

 

 

No texto, “A origem do mundo e seus semblantes”, Dominique Laurent escolhe como eixo de articulação a arte - “armadilha do olhar” -, fazendo um passeio que começa com Praxíteles com a representação do primeiro corpo feminino nu, na Grécia antiga, passando pelas mulheres desnudas nas pinturas de Courbet, Giorgone, Goya, Tintoretto, Tiziano, culminando com “O êxtase de Santa Teresa”, de Bernini, intensamente trabalhado no Seminário 20, Mais,ainda. Longa trajetória, na qual Dominique tenta responder o que essas representações do corpo da mulher tornam visível e mantêm invisível ao olhar do observador – o visível fálico e o invisível feminino, o invisível de seu gozo.

 

Segundo ela, Lacan situa a aparição de corpos femininos atravessados pelo gozo, no Ocidente, durante o período barroco. Até então, mesmo com representações eróticas fálicas, o gozo para além do falo se mantinha fora dessas representações. Desvelar a

mulher parecia tarefa impossível ao mundo artístico ocidental, não importando a técnica utilizada com esse fim, os reflexos, os espelhos, por exemplo. Mulheres desnudas, porém não desveladas, mantidas recobertas por um véu, até mesmo em se tratando de “A origem do mundo” de Courbet. 

Claudia Aldigueri

Eis que o século XVII chega marcado pela genialidade técnica do escultor barroco Bernini: esculturas cujas mulheres, inteiramente cobertas, denunciam na expressão facial o atravessamento do corpo por um gozo singular. Ninguém, tão bem quanto Bernini, não só com Santa Teresa, mas com outras esculturas, soube representar esse atravessamento. 

 

O estudo iconográfico da mulher em ambas, pintura e escultura, faz ressoar o estádio do espelho lacaniano: uma mulher, sujeito dividido, ser vivente na falta-a-ser, constrói imagem de si mesma, determina seu fantasma e objeto de desejo, respondendo com seu corpo “às relações do corpo imaginário com o corpo real e o Ideal do eu”. A mulher, um ser faltante que encarna um corpo, com o que lhe representa, a linguagem, dando-lhe vida por meio dos significantes, cuja função é dar conta do vazio.

 

Como uma mulher enfrenta o impossível de sua representação como sujeito barrado e “o impossível da representação do gozo mais além do falo, do gozo do Outro”? Ser falante cuja representação é impossível, mas não sem ter se deixado marcar pelo significante, marca esta que como acontecimento de corpo terá um efeito de gozo sobre seu próprio corpo. Isto facilita entender a expressão “mulher, sintoma do homem”, de Lacan. Mulher, parceiro-sintoma, do Outro, pode encontrar aí o seu gozo, num “semblante sexual do qual cada um goza”.

 

Para finalizar, Dominique Laurent, ressalta que num encontro sexual, a mulher quer muito mais do que o órgão, “quer o falo como significante do desejo, do desejo que fala, que seu homem diga seu ser e cifre seu gozo (...), a difame/dit-femme mais além do falo”. E um gozo, aí, pode tomar corpo, mesmo que o parceiro seja o Deus de Santa Teresa, gozo sobre o qual nada é falado, que se mantém recoberto e velado nas representações iconográficas às quais Dominique se referiu.

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